sábado, 26 de julho de 2008

Poema de Fernando Pessoa

O menino da sua mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
-Duas de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Ao nível de uma tragédia grega apenas em trinta versos.
Os pormenores da cigarreira e do lenço que ficaram bem, torna o poema ainda mais belo e mais trágico. E a seguir o verso trágico e cru "Ele é que já não serve."
Nos primeiros cinco versos nós ficamos a saber "Jaz morto, e arrefece." e nos últimos cinco versos a mãe que não sabe "Lá longe,em casa, há a prece:
Que volte cedo, e bem!"
Na minha humilde opinião é genial.

1 comentário:

dina disse...

Se me permite , colega João Loureiro, aqui deixo mais um pouco sobre Fernando Pessoa.

Nos originais encontrados no espólio do Poeta Fernando Pessoa, há um conjunto de poesias com sequência e unidade, formando o poema: «Guardador de Rebanhos». Este poema constitui a primeira parte do volume de poesias dedicada a Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Fernando Pessoa. É um manuscrito único, escrito pelo próprio punho do Poeta, constituído por poesias numeradas de 1 a 49, alguns publicados ainda em vida do autor.
Escolhi para citar a poesia "X"

«Olá,guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?»

«Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?»

«Muita coisa mais do que isso,
Fala-me de muitas outras coisas.
De memórias e de saudades
E de coisas que nunca foram.»

«Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.»